terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O Mi(ni)stério da Saúde ou a Consulta Aberta que está fechada

Hoje não vou por fotografia alguma, nem vou falar de fotografia.
Vou falar destas novas maneiras que as urgências hospitalares têm de atender os doentes, ou melhor, após o encerramento das urgências, as Consultas Abertas.
A minha filha de 9 anos é asmática, por isso quando se constipa ou por qualquer outra razão, lá vem crise. Desde pequenina sempre assim foi. Dezenas de vezes que recorremos ao SAP da Mealhada que agora não existe. Em sua substituição foi criada a Consulta Aberta que funciona até as 22 horas.
Mas como as crises a maior parte das vezes vêm já depois das 22 horas, muitas das vezes recorremos à Urgência do Hospital da Anadia, que entretanto fechou e em sua substituição foi criada a Consulta Aberta que funciona até às 24 horas.
Após esta introdução, e para ficarem a perceber mais ou menos os passos que dava, então esclareço que ontem pelas 21 horas e 15 minutos do dia 18 de Fevereiro de 2008, do século XXI, neste Portugal que faz parte da CE moderna, a minha filha teve uma crise de asma, e como a vimos aflita e porque pertencemos ao concelho da Mealhada, distando a nossa casa mais ou menos 2 quilómetros do Centro de Saúde, lá fomos com ela na viatura própria para o CS da Mealhada, pois eventualmente a menina precisaria de levar máscaras de oxigénio.
As salas de espera, duas, estavam lotadas, e por isso a funcionária administrativa que faria a inscrição aconselhou-nos, e bem, penso eu, a seguir para a Anadia para o Hospital, tanto mais que a minha filha tinha lá ficha onde constava o seu problema.
Lá fomos e quando chegámos por volta das 21 horas e 30 minutos ao Hospital da Anadia a sala de espera também tinha bastante gente a aguardar consulta, na sua maioria ou quase totalidade, adultos.
Quando fomos para a inscrever e explicámos o problema da minha filha e a razão porque ali nos dirigimos, um segurança (não é funcionário do Hospital, nem do Ministério da Saúde, mas faz triagem pelos vistos) informou-nos que não poderíamos ser atendidos, pois pertencíamos à Mealhada, e como a Mealhada encerrava a Consulta Aberta após as 22 horas aconselhou-nos a aguardar até às 22 horas ou ir para casa e depois dessa hora voltar ou então ir com a minha filha na minha viatura para o Hospital Pediátrico para Coimbra que dista cerca de 30 quilómetros. Voltámos a insistir que a minha filha é asmática e que estava em crise e irredutívelmente a funcionária administrativa do Hospital de Anadia, agora sim uma funcionária do Hospital, corroborando a informação do segurança, disse-nos que não podia fazer nada.
Regressámos a casa, mas com o agravar da situação ligámos para o 112 que imediatamente contactou com os Bombeiros da Mealhada, que socorreu a minha filha aplicando-lhe máscaras de oxigénio e a transportou para o Hospital Pediátrico onde foi socorrida e onde estivemos até cerca das 2 horas da manhã de hoje, após o que a menina foi mandada para casa.
Lá disseram-nos que não percebiam a atitude do Hospital da Anadia, tanto mais que era uma criança e com ficha lá.
Bom, após chegarmos a casa cerca das 2 horas e trinta minutos tivemos que chamar de novo o 112 pois nova crise e esta sim bastante grave, e de novo os Bombeiros da Mealhada que a assistiram e a transportaram de novo ao Hospital Pediátrico de Coimbra onde esteve a levar oxigénio até cerca das 6 e 30 da manhã, numa situação bastante grave, e de novo nos foi dito não terem percebido a atitude da Anadia, sendo uma criança e com problemas graves de respiração.
Não perceberam e eu também não, pois fui funcionário do Hospital Distrital de Leiria durante tantos anos, e do Ministério da Saúde, e nunca vi durante a minha vida profissional, alguém deixar de ser assistido devido a problemas burocráticos. Vi agora e comigo, ou com a minha família, eu funcionário do Ministério da Saúde aposentado, envergonhado por o ser e mal tratado como são milhares de pessoas por este país fora, devido à nova maneira de funcionar do Ministério da Saúde, ou de funcionários que aprendem a cumprir a sua missão como se fossem animais amestrados e que não veêm mais que aquilo, nem sequer um milimetro se desviam das normas porque não sabem para mais.
Viva o Portugal moderno em que vivemos, socialista, vivam as consultas abertas que se fecham para que não ultrapassem alguns segundos dos seus horários superiormente determinados.
Nunca mais direi que fui funcionário do Ministério da Saúde, porque tenho vergonha, e acautelando-me antes que alguém me dê alguma sova como retaliação como foi tratado numa dessas consultas abertas. Pois nem fui o primeiro, nem infelizmente serei o último, e num País que na sua Constituição consagra um serviço de saúde gratuíto para todos, e repito, socialista, merda para este socialismo.


P.S. - Fui informado pelo Senhor José Pedro Ferreira, Coordenador Técnico de Informática do Hospital de Anadia que os médicos e funcionários da Consulta Aberta não pertencem ao Hospital, mas ao Centro de Saúde de Anadia.
Obrigado pelo seu esclarecimento

7 comentários:

Alberto Correia disse...

Este é o estado da saúde em Portugal, muito doente, mas mesmo muito doente. Deixa estar que em breve vão ter aí bem perto da vossa porta uma clinica privada a fazer os cuidados médicos que até agora eram feitos no CS, a diferença é que vais descontar para o Estado e pagar cada serviço ao privado. Actualmente a saúde é o negócio mais apetecido em Portugal e com mais futuro. Só me faz confusão é tudo isto ter saído de uns politicos que se dizem de esquerda e socialistas. Então eu serei de quê? Super-mega-extrema direita? Não fiquemos apenas apolitico que gosta de justiça social e de igualdade nas oportunidades para todos.

Moinante disse...

O mais impressionante é o facto da sua história ser uma de muitas...

e se felizmente que a situação não teve contornos de maior gravidade, não obstante a gravidade que atribuímos de por si só se passar com os nossos filhos, outras haverá que terão desfechos bem mais graves e dramáticos...

A culpa dos excessos de zelo de determinados funcionários, acredito eu, não é totalmente deles. Certamente têm superiores hierárquicos a fazerem-lhes verdadeiras lavagens cerebrais de como deve proceder em cada situação, perdendo-se a humanidade que nos resta.

E sem esquecer a pré-formatação com contornos lobotómicos que esses mesmos superiores hierárquicos não terão levado dos seus próprios superiores e por aí fora até chegarmos à irresponsabilidade de ministros e governos e restante corja que pactua sorrindo com estas verdadeiras tragédias e que gerem este país como se de um banco ou de uma unidade financeira se tratasse...

Pessoalmente, visito com alguma regularidade o IPO de Lisboa e garanto que felizmente, de todos os funcionários que tive o prazer lidar até hoje, ainda ninguém conseguiu fazer nenhuma lobotomia por forma a retirar-lhes a humanidade que é necessária para quem trabalha num hospital, seja ele médico, enfermeiro, segurança ou electricista... porque não tomam este exemplo como "O" exemplo e nivelam a saúde por cima, em vez de nos rebaixar a meros números e estatísticas?

Não sou de violência gratuíta, mas o que é que falta para que se deixe de dar murros na mesa e passar a dá-los a quem efectivamente os merece?

Não desanime, amigo, daqui para frente só pode melhorar, pois pior creio ser impossível...

E o mais importante, as melhoras da pequenita...

gabriel-news disse...

Olá Joao.
li com interesse o teu artigo sobre a miséria que o políticos (em quem muitos de nós votamos) tem andado a causar aos Portugueses com a nossa saúde.Será que eles querem fazer um sistema só para ricos e para acabar com os pobres em Portugal? Se é essa a ideia deles o nosso pais terá em pouco tempo somente 10% da população actual.
O que é que faço indo para aí em breve? Eu não pertenço aos 10%.
Porque não uma greve geral por muitos dias? Uma revolução do povo.Ou já ninguém tem tomates para fazer isto.Em Portugal já são como aqui?Come e cala-te.
Mas...

O que interessa é que a tua filhota já está melhor.

Um abraço.

Anónimo disse...

Infelizmente a saúde é isto. Não compreendo como é possível haver tanta falta de humanidade das pessoas que a deveriam ter pela especificidade do seu trabalho.
Talvez se a sua menina tivesse sido atendida na Anadia, o que não prejudicaria em nada o andamento normal da consulta ela não tivesse chegado a uma situação tão grave.
Desejo que tudo esteja ultrapassado e as melhoras, e não perca a fé, porque isto mais dia menos dia terá que mudar...
António Cardoso

Anónimo disse...

O meu Pai, está agora a fazer um ano, também experimentou o SNS.
Internado no Hospital de Barcelos, com uma dificuldade respiratória, passou por momentos inacreditáveis.
Fazia exames fora do hospital a gabinetes de radiologia e ecocardiograma,porque o hospital não tem os meios e mandam os doentes a serviços privados. Aconteceu ir fazer um exame, de ambulância, a Braga, e vir para trás poque naquele gabinete não faziam esse exame. E quando chegou a Barcelos a sua cama já estava ocupada por outro doente e teve que ficar no corredor. Depois de muitas peripécias, de me socorrer de médicos amigos, de muitas queixas, e de 3 meses infernais, com o seu estado de saúde a detiorar-se e depois de ter passado por um momento em que esteve entre a vida e a morte com uma pericardite que o ía matando, e como o diagnóstico continuava por estar feito, continuava-se sem saber o que deixava o meu Pai naquele estado, resolvi exigir alta, a conselho de médico, que me disse para o tirar de Barcelos se queria continuar a ter o meu Pai.
Levei o meu Pai para o Hospital de S.João, no Porto, entrei na urgência e dei uma morada falsa para ser atendido. Ficou internado num estado muito mau e nesse momento, só depois de decidirem o internamento é que expliquei toda história e o que tinha acontecido nos 3 ultimos meses em Barcelos. Detectaram um Linfoma no meu Pai, tem feito quimioterapia e está, agora muito bem. No entanto, quando se vai agora às consultas de rotina, é raro o dia em que não se chega ao serviço às 9h da manhã e sai-se às 18 ou 19h`. É assim que as coisas estão... o seu desabafo é o debafo de todos nós!
Um abraço João, as melhoras para a menina.

Carlos Rio

Anónimo disse...

...apenas deixo uma palavra: VERGONHOSO!

Manuela disse...

Estou sem palavras... Já li e reli e continuo boquiaberta... E como eu, haverá muitos & muitos mais a reclamar do mesmo... Sem falar, por exemplo, na mudança de medicamentos que são dados pelos Hospitais a doentes com doenças crônicas, devido à contenção de custos... E depois ainda dizem que o efeito é o mesmo... Sim, sim... tirem-nos um cisco...
Lastimavel...